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Painel “A Questão Penitenciária” discute deficiências no sistema carcerário

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- Foto: Procuradoria Geral do Estado

“A Questão Penitenciária” foi tema do painel, na última terça-feira (20), da sétima edição do Ciclo de Debates “Direito e Política”. O evento foi promovido pela PGE, em parceria com a Escola Superior da Advocacia Pública (Esapergs). O principal foco da discussão foram as questões de superlotação de presídios e problemas que acarretam na deficiência do sistema.

 

O debate reuniu o Juiz-Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça, Dr. Luciano Losekann, como palestrante; o Secretário da Segurança Pública do RS, Dr. Airton Michels, e o Presidente do Conselho Penitenciário do RS, Dr. Rodrigo Puggina, como debatedores.

 

O Presidente da Esapergs, Dr. Eduardo Cunha da Costa, primeiro a fazer uso da palavra, saudou os integrantes da mesa e participantes e ressaltou o sucesso da parceria entre as instituições PGE e Esapergs. “O grande êxito dessa parceria tem rendido frutos em debates importantíssimos para toda a sociedade”, afirmou.

 

Em sua saudação inicial, o Procurador-Geral do Estado, Dr. Carlos Henrique Kaipper, lembrou as recentes afirmações do Ministro da Justiça, Dr. José Eduardo Cardozo, de que este preferia morrer a cumprir pena em um estabelecimento prisional. “Estas declarações, aliadas à constatação também do Ministro Cardozo, de que nossas penitenciárias são ‘medievais’, dispensam maiores palavras de introdução ao tema”, declarou.

 

Dr. Kaipper também sintentizou, com uma frase, o que seria debatido no evento. “Agrego à fala do Ministro uma frase de Nelson Mandela, que vai ser a provocação inicial para suscitar o debate: ‘Uma nação não pode ser julgada pela maneira como trata seus cidadãos mais ilustres, e sim pelo tratamento dado aos mais marginalizados: seus presos’.”

 

Na sequência, o palestrante Dr. Losekann iniciou sua fala com um alerta sobre a alta taxa de encarceiramento que, segundo ele, sofreu um acréscimo brutal. “Até dezembro de 2010 tínhamos 514 mil presos. Em junho deste ano, o número aumentou para 538 mil”.

 

Segundo ele, o problema existe por três fatores. O hermenêutico, que envolve o Poder Judiciário; o de execução por parte do Estado, e o normativo. “Nossa legislação penal e processual brasileira é relativamente boa. Porém, muitos juízes fazem uso da prisão preventiva em excesso”.

 

Do total de presos no país, segundo o Juiz, cerca de 43% são provisórios. “Em muitos casos, são pessoas presas por delito simples, como furto de shampoo, de chocolate. Às vezes, existe o problema da reincidência, mas mesmo assim a prisão preventiva não se justificaria no caso concreto”, advertiu. “Pessoas que poderiam estar na rua são presas, enquanto pessoas que deveriam estar presas estão na rua. É paradoxal”, acrescentou.

 

Segundo Dr. Losekann, mesmo com a Lei 12.404, das medidas cautelares, que entrou em vigor em 5 de julho do ano passado, a taxa de encarceiramento aumentou. “Ao invés de prender, em penas de no máximo quatro anos, eu, como Juiz, posso substituir a segregação por alguma pena alternativa, como monitoramento eletrônico, recolhimento domiciliar, comparecimento em juizo”.

 

O CNJ está realizando pesquisa, que será divulgada em dezembro deste ano, com os Juízes Penais de todo o Brasil, para diagnosticar a utilização ou não da Lei 12.404. “Empiricamente, sabemos que a resposta é que os magistrados se ressentem da falta de mecanismos de fiscalização das medidas cautelares previstas em Lei”, afirmou Dr. Losekann.

 

Outro alerta feito pelo magistrado foi as condições em que se encontram os encarceirados. “Ninguém é reinserido através da retirada do sujeito do convívio em sociedade, ainda mais quando é para ficar numa instituição que nada lhe oferece. É apenas um espaço de privação de liberdade. Nada é feito no sentido de sua ressocialização”.

 

Dentre os exemplos citados por Dr. Losekann sobre a falência do sistema está o episódio flagrado no Estado do Maranhão, em que presos jogavam futebol com cabeças de outros presos decapitados.

 

“Se o Sistema Prisional não for tido como prioridade, ele vai se tornar e já está se tornando um grande problema, quase que insolúvel”. Para Dr. Losekann, é essencial que todos os Estados da Federação comecem a tomar iniciativas concretas, e concluiu: “Talvez não surtam todos os efeitos desejados. É uma política de médio e de longo prazo. A curto prazo não acredito em soluções salvadoras”.

 

"Nunca haverá recuperação de um indivíduo que está com 300 pessoas onde cabem 100”, afirma Airton Michels

 

O Secretário da Segurança Pública, Dr. Airton Michels, traçou um panorama histórico da população carcerária. Até 2006, segundo ele, 8% a 9% dos presos no Brasil eram por ser usuários ou traficantes de drogas, 35% a 40 % por assalto, 11% a 12% por furto, e 8% a 9% por homicídio.

 

Michels também expôs preocupação com o efeito contrário que leis mais libertárias podem causar. “De 2006 para cá, com uma lei que inviabilizou o aprisionamento do usuário de drogas, nós nunca prendemos tanta gente por drogas. Hoje, 32% dos presos no Brasil são traficantes. Isso tem contribuído para a superlotação”, disse.

 

A incoerência do sistema também foi ressaltada pelo Secretário, que afirmou que “a mesma Lei de Execuções Penais que diz que o preso tem direito a cela individual, em 1984, diz, em 2012, com a criação do sistema disciplinar, que o preso em regime disciplinar será colocado em regime individual como castigo. É uma contradição brutal”, expôs.

 

“Outra contradição é que, quanto mais legislamos sobre penas alternativas, mais prendemos. Havia 150 mil presos em 1995, contra 538 mil hoje. Então, as penas alternativas não foram a solução”, concluiu Michels.

 

O preço dos presídios também é um fator que contruibui para a falta de investimento, segundo Michels. “O custo de uma escola para mil e 200 alunos é de cinco milhões de reais. Já um presídio para 400 presos custa, em média, 25 milhões de reais. É natural os Governos se preocuparem mais em contruir escolas”.

 

O Secretário afirmou que a SSP apresentou um projeto, em parceria com a Secretaria da Saúde, de um Centro de Reintegração Social, destinado aos presos por dependência química. “A grande vantagem é que ele custa um terço do presídio tradicional e o preso recebe tratamento de saúde na recuperação”.

 

Michels também reconheceu que “nunca haverá recuperação de um indivíduo que está com 300 pessoas em um local onde cabem 100. Realmente temos que correr atrás do prejuízo”.

 

“É inadmissível que a pessoa presa possa ter seus direitos políticos suspensos”, diz Rodrigo Puggina

 

Fatores como a visibilidade do sistema prisional e a impugnação do direito político do apenado mostram a deficiência deste regime, os quais Puggina exemplificou. “A falta de investimento nesse sistema sai muito mais cara, pois a conta virá depois. Enquanto isso, é inadmissível que a pessoa presa possa ter seus direitos politicos suspensos. Se preso não vota, muitos políticos não irão se importar com essa população”.

 

Dr. Puggina também referiu que os problemas não se limitam às condições dos presídios: “Os presos não raro reclamam mais da demora de seus processos judiciais do que das condições dos presídios”.

 

“Estamos criando um monstro nesse país. Teremos que responder por isso”, concluiu. Após as explanações foi aberto o espaço para manifestações do público e debate com os convidados.

 

Participaram também do debate o Coordenador da Comissão de Direitos Humanos da PGE, Dr. Carlos César D’Elia, o Presidente da Apergs, Dr. Telmo Lemos Filho, e a Vice-Presidente da Apergs, Dra. Fabiana da Cunha Barth, o Diretor do Presídio Central, Tenente-Coronel Leandro Santini Santiago, o Procurador do Estado integrante do Conselho Penitenciário do RS, Dr. Roque Marino Pasternak, professores universitários e representantes de movimentos sociais.

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