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Ciclo de Debates Direito e Política encerra o ano de 2014 discutindo a (Des)Criminalização das Drogas

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Auditório lotado na última edição de 2014 - Foto: Procuradoria Geral do Estado

 

 

O painel (Des)Criminalização das Drogas, ocorrido nesta terça-feira (25), fechou o Ciclo de Debates Direito e Política do ano de 2014. Iniciado em 2011, o Ciclo de Debates realizou 15 edições, sempre apresentando temas polêmicos: Reforma Política, Aspectos Jurídicos da União Homossexual, Política de Cotas, Aborto: Crime ou Direito?, Trabalho Escravo Contemporâneo, Mudanças no Código Florestal: Avanço ou Retrocesso?, A Questão Penitenciária, Regularização de Territórios Quilombolas, (In) Tolerância Religiosa, Memória, Verdade e Justiça, Direito das Pessoas com Deficiência, Internação Compulsória e Democratização da Mídia.

Realizada no auditório da PGE, a atividade da Procuradoria-Geral do Estado, em parceria com a Escola Superior de Advocacia Pública da Associação dos Procuradores do Estado do RS (Esapergs), contou com palestra do Secretário Estadual da Segurança Pública, Airton Michels, e com a participação da Psicóloga, Professora Universitária e Coordenadora do Centro de Referência e Apoio Institucional para Uso de Drogas (Rede Multicêntrica) Sandra Djambolakdjian Torossian, e do Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Institucionais do Ministério Público Estadual, Marcelo Dornelles.

O Procurador-Geral do Estado, Carlos Henrique Kaipper, deu as boas-vindas aos participantes da mesa e ao público presente. "É com muita alegria que chegamos à 15ª edição desse projeto e, diante do sucesso de todas as edições, esperamos que a próxima gestão da PGE, juntamente com a Escola dê continuidade a este importante espaço de discussão entre Estado, sociedade e Academia".

Dr. Kaipper fez referência ao editorial da Folha de São Paulo, publicado no sábado (22), intitulado Guerra Fracassada, em que o jornal afirma que a guerra às drogas está sendo perdida e que "a legalização teria de ser gradual e acompanhada de restrições à venda e à publicidade semelhante às que existem para o álcool e o tabaco".

 

Ao iniciar a sua exposição, o Secretário Airton Michels ressaltou que "há um debate hoje, em quase todo mundo ocidental, que questiona a chamada guerra contra as drogas". Ele citou o exemplo de cerca de três estados americanos que recentemente aprovaram a utilização da maconha. Segundo o Secretário, o aprisionamento por tráfico nos estados americanos não reduziu a oferta de drogas nas ruas, assim como a proibição do uso de drogas em Cuba também não mudou a realidade do tráfico, apesar de o governo cubano insistir que as drogas foram erradicadas no país.

Procurador de Justiça e professor de Direito Penal da Unisinos, Airton Michels criticou a lei antidrogas editada no Brasil em 2006, em especial o artigo 28, onde a tipificação do crime não é objetiva. "Para diferenciar usuário de traficante, o juiz tem que avaliar as condições sociais, os antecedentes criminais e o local onde ocorreu a prisão", ponderou Michels, observando que essa avaliação leva à seletividade. "A classe média raramente vai presa porque ela consome a droga em lugares reservados, mas o menino pobre faz o consumo na pracinha do bairro, em frente ao armazém, em geral no contexto de um bairro onde todo lugar é considerado ponto de drogas".

"A lei brasileira de 2006 precisa ser mudada. Não está dando certo e tem sido um desastre", garantiu, lembrando que os Estados Unidos já reconhecem o fracasso da guerra às drogas iniciada na década de 60. O palestrante ainda fez questão de ressaltar que em qualquer lugar do mundo os presídios reduzem as possibilidades de recuperação ou reestruturação do indivíduo. "Não sei se o caminho é a descriminalização, mas como está não pode ficar. Infelizmente se discute muito pouco esse tema, enquanto não aprofundarmos esse debate a violência não vai diminuir", finalizou Secretário Michels.

O Subprocurador-Geral de Justiça Marcelo Lemos Dornelles, que é contra a descriminalização, disse que a droga não é uma questão de governo, mas uma questão multidisciplinar. "O discurso jurídico é pobre neste tema", garantiu. Para Marcelo Dornelles, a droga é um tema complexo que envolve saúde pública e mental. Como Procurador de Justiça, o debatedor disse que pode constatar que, em qualquer que seja a área de atuação, o pano de fundo da violência é a droga.

 

Ex-Presidente do Instituto Crack Nem Pensar, Dornelles questionou os números apresentados pelos países que optaram pela descriminalização das drogas e citou o exemplo de Portugal, onde o governo fala em redução do consumo e os institutos de pesquisas independentes apontam um crescimento nos índices.

"Eu percebi que no Uruguai eles não sabem sobre o que estão falando. Eles não têm dados comparativos, nem números atuais para mais à frente comparar se houve aumento ou redução. O Uruguai é um laboratório na nossa esquina", afirmou, referindo-se à liberação do plantio de maconha naquele país.

Dornelles falou do projeto "Drogas: Articulando Redes", desenvolvido pelo Ministério Público, e que tem por objetivo realizar um diagnóstico da rede de serviços de atenção à drogadição. "A solução é formar uma rede e discutir o problema em cada cidade e buscar alternativas respeitando a peculiaridade de cada município".

 

Marcelo Dornelles aposta no conteúdo preventivo como forma de pelo menos atrasar a experimentação da droga. "A proibição faz com que muitas pessoas evitem a experimentação", advertiu, citando exemplos como a proibição de beber e dirigir que, segundo ele, mudou a cultura de muitos motoristas. "O que nós temos que fazer é melhorar e qualificar a investigação para que ela não fique apenas sobre os pobres. A legislação precisa prever que a investigação traga outros elementos e não apenas a quantidade de droga apreendida com o acusado".

"A guerra às drogas não funciona. Mas liberar funciona?", questionou Dr. Marcelo.

Para a Psicóloga Sandra Djambolakdjian Torossian, o debate em torno desse tema é difícil, inclusive as linguagens das diversas áreas envolvidas são muito diferentes. "O tema é complexo e nenhuma área tem a verdade absoluta sobre o assunto."

Dra. Sandra frisa que "é difícil definir o limite entre usuário e traficante. Em determinadas camadas da sociedade, o consumo é sustentado pelo microtráfico. O que a gente mais vê é o jovem usuário que, para sustentar seu vício, tem que vender a droga", ponderou. Segundo ela, existe um falso debate sobre o benefício ou malefício das drogas, que acaba acarretando a criminalização da pobreza e o aumento da violência contra os jovens. "Com a atual política, a prisão virou espaço de tratamento."

 

Desenvolvendo trabalho clínico com usuários de drogas há 30 anos, Sandra acredita que do ponto de vista da prevenção a melhor alternativa seja falar aberta e francamente sobre a questão das drogas, "mas a proibição impede esta iniciativa". Ela citou o estudo de Carl Hart, neurocientista da Universidade de Columbia, que garante que 80% a 90% das pessoas que usam drogas não são dependentes e, se lhe forem oferecidas alternativas, não abusarão das drogas.

Sandra lembrou que o uso de drogas é um hábito milenar da população e a proibição de algumas e a liberação de outras é efeito da cisão da droga medicinal e da substância tóxica que se introduz no campo jurídico e da saúde a partir do século 20. Citou o exemplo do uso indiscriminado da Ritalina, especialmente entre os universitários. "Em função disso, teria que se proibir a Ritalina?, questionou a professora.

Em resposta aos questionamentos da Plenária, Dra. Sandra ponderou que "o cigarro é um bom exemplo de que não precisa criminalizar as drogas. O que precisa são marcos regulatórios envolvendo propaganda e educação".

A iniciativa da PGE-RS em discutir o tema foi muito elogiada pelos convidados que debateram o tema. O público, formado por estudantes, psicólogos, advogados, entre outras áreas, se manifestou preponderantemente favorável à descriminalização das drogas, trazendo exemplos práticos e experiências vividas no meio profissional que corroboravam para a opinião favorável à descriminalização.

 

O Vereador Alberto Kopittke, presente ao debate, por exemplo, referiu que se fossem investidos 10% do que é utilizado na política de guerra às drogas em Centros de Atenção Psicossocial, o resultado seria bem melhor que o atualmente alcançado.

Também estiveram presentes o Diretor-Presidente em exercício da Esapergs e Coordenador Substituto da Procuradoria de Informação, Documentação e Aperfeiçoamento Profissional (Pidap), Procurador do Estado Guilherme Valle Brum, o Coordenador da Comissão de Direitos Humanos (CDH/PGE), Procurador do Estado Carlos César D'Elia; representante do Vereador Pedro Ruas Tayná Ignácio, Procuradores do Estado, representantes da Polícia Civil e Susepe; psicólogos, demais operadores do Direito, Servidores da PGE e Servidores Públicos do Estado.

 

 

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